Após o rebaixamento para a terceira divisão em 1998, o Fluminense contratou toda a comissão técnica da seleção brasileira, capitaneada por Carlos Alberto Parreira, e sagrou-se campeão brasileiro da série C em 1999, conquistando o direito legítimo de disputar a segunda divisão no ano 2000.
A partir desse ponto uma série de fatos ocorreu, e várias questões foram levantadas: Por que o Fluminense não disputou a série B, jogando diretamente a série A? Virada de mesa do Fluminense? Acordo de bastidores para ajudar o clube? Neste texto vamos ver o que realmente aconteceu e quem realmente "virou a mesa".
O Campeonato Brasileiro de 1999
Enquanto disputava a série C, em 1999, os torcedores do Fluminense assistiam a um dos mais vergonhosos episódios do futebol brasileiro, cujos principais responsáveis são bem conhecidos por todos. Neste campeonato, a CBF mudou o critério de rebaixamento, claramente para favorecer os clubes de maior expressão. A entidade que organiza o futebol brasileiro determinou que cairiam para a Série B, em 2000, os quatro clubes que tivessem a menor média de pontos nos campeonatos de 1998 e 1999, critério que nunca tinha sido adotado anteriormente, e cuja fórmula de cálculo era complexa para a visão do torcedor cotidiano.
O critério para o rebaixamento à Série B em 1999 era a média dos pontos obtidos no campeonato atual (1999) e no anterior (1998). Seriam rebaixados os clubes com as 4 menores médias. Mas, como o número de jogos na primeira fase baixou de 23 para 21 entre 1998 e 1999, era necessário fazer uma média ponderada entre as duas pontuações. A fórmula definida pela CBF para a média de pontos (MP) era:
MP = ( (P98/23) + (P99/21) ) / 2
Sendo P98 a pontuação em 1998 e P99 a pontuação em 1999. No caso de Gama e Botafogo/SP, que não disputaram o Campeonato de 1998 (já que haviam subido da Série B), a fórmula se reduzia a:
MP = P99/21
De acordo com os resultados do campo de jogo, os clubes rebaixados para a série B seriam, pela ordem (Botafogo/SP, média: 1.000; Juventude, média: 1.089; Paraná, média: 1.093 e Botafogo/RJ, média: 1.178).
Porém, houve o caso Sandro Hiroshi, uma das maiores armações já vistas e documentadas do futebol brasileiro. Segue trecho retirado da wikipédia e confirmado por Beto Meyer (@torcidatricolor) em vista aos arquivos do Jornal do Brasil, na Biblioteca Nacional:
O Caso Sandro Hiroshi foi um escândalo que ocorreu no futebol do Brasil. O jogador Sandro Hiroshi começou sua carreira no Tocantinópolis Esporte Clube e em 1998 se transferiu para o Rio Branco Esporte Clube de Americana (SP). Em 1999, logo após o término do Campeonato Paulista, o atacante se transferiu do Rio Branco para o São Paulo Futebol Clube e o Tocantinópolis exigiu uma parte do dinheiro envolvido na negociação. Os advogados do clube tocantinense alegavam que a transferência do atleta ao São Paulo seria irregular, pois o jogador teria sido inscrito pelo Rio Branco sem autorização do Tocantinópolis. O clube de Americana, por sua vez, alegava que o atacante se transferira ainda como juvenil e que, nesse caso, não haveria necessidade de autorização por parte do clube tocantinense.
Para evitar que, numa eventual nova negociação, outros times se envolvessem nessa questão, a CBF considerou o passe do atleta "bloqueado", ou seja, o atacante Sandro Hiroshi estava proibido (!!!) de se transferir para outro clube enquanto a pendenga jurídica entre o Rio Branco e o Tocantinópolis não fosse resolvida. É importante salientar que esse "bloqueio" não significava, em hipótese alguma, a ausência de condições de jogo, tanto é que, antes do início do Campeonato Brasileiro, os departamentos técnico e jurídico da CBF deram seu OK às inscrições de todos os atletas pelo São Paulo, inclusive o recém-contratado Sandro Hiroshi.
Logo na terceira rodada do campeonato (no dia 04 de agosto), o São Paulo goleou o Botafogo por 6x1 e, poucos dias depois, o alvinegro entrou com um pedido de anulação dessa partida alegando que, em razão do "bloqueio" de seu passe, o atacante Sandro Hiroshi (que esteve em campo naquela goleada) teria atuado irregularmente. Esse pedido só foi julgado pelo Comissão Disciplinar do TJD em 19 de outubro (ocasião em que o clube carioca já corria sério risco de rebaixamento à Série B), quando simplesmente forjou-se uma interpretação do "bloqueio" segundo a qual o atacante do Sandro Hiroshi realmente teria atuado de forma irregular. Com isso, a Comissão Disciplinar, valendo-se de uma versão obsoleta do CBDF (Código Brasileiro Disciplinar do Futebol), tirou do São Paulo os três pontos daquela goleada e os entregou ao Botafogo. Vale lembrar que não havia, nas regras, a possibilidade de os pontos de uma partida serem atribuídos à equipe perdedora. O que acontecia, nesses casos, era a perda dos pontos conquistados pela equipe punida, e só. Essa "interpretação" que acabou ajudando o Botafogo ocorreu unica e exclusivamente naquele ano, em que o STJD, por "coincidência", era presidido (de forma irregular, diga-se) por um notório botafoguense.
O tricolor paulista ainda recorreu ao TJD, alegando que havia dezenas de outros jogadores com o passe "bloqueado" e conseqüentemente em situação tão "irregular" quanto a de Sandro Hiroshi. Em julgamento realizado no dia 03 de novembro, porém, o TJD (que atuou "ilegalmente", pois o tribunal estava formado exclusivamente por membros indicados pela OAB-RJ quando, de acordo com a lei, os representantes deveriam ser apontados pela OAB nacional) apenas ratificou a decisão da primeira instância.
Posteriormente, o Internacional (que também brigava desesperadamente contra o rebaixamento) também ganhou da Comissão Disciplinar o ponto do seu jogo contra o São Paulo, em virtude da "escalação irregular" de Sandro Hiroshi. Diferentemente do Botafogo o Internacional ganhou apenas um ponto pois havia empatado o jogo contra o São Paulo. Com esses pontos, o Botafogo terminou o campeonato com média de aproveitamento superior à do Gama e acabou salvo do rebaixamento à Série B. O Internacional se salvaria do rebaixamento à Série B mesmo se se não tivesse ganho o ponto da partida contra o São Paulo."
Porém, com a decisão do STJD, as menores médias ficaram assim: (Botafogo/SP, média: 1.000; Juventude, média: 1.089; Paraná, média: 1.093 e Gama, média: 1.238).
Ou seja: o Botafogo escapou do rebaixamento e o Gama/DF juntou-se a Botafogo/SP, Juventude e Paraná como rebaixado à Série B em 2000.
Gama entra na justiça e CBF decide realizar a Copa João Havelange
Por não aceitar o seu rebaixamento para a série B, devido aos fatos descritos na primeira parte, o Gama foi à Justiça comum, com apoio do Sindicato dos Técnicos de Futebol do Distrito Federal e também, incrivelmente, pelo PFL, um partido político de direita (hoje, DEM), que era muito influente na época. O Gama exigia sua reintegração à série A, direito absolutamente legítimo já que o rebaixado deveria ser o Botafogo RJ.
Como em junho de 2000 a Justiça ainda não tinha julgado o caso em todas as instâncias, a CBF foi impedida de realizar a competição e pressionada pela FIFA, chegou a um acordo com o Clube dos Treze (reunião dos 20 maiores clubes do Brasil, criado em 1987), para que este organizasse um Campeonato Brasileiro próprio, porém com chancela da CBF (que não tinha a força que tem hoje), e que definiria também as vagas brasileiras para a Libertadores da América. Este torneio se chamaria Copa João Havelange e obviamente excluiria o Gama, que fora afastado das competições pela FIFA (devido ao processo na Justiça Comum).
O Gama não se fez de rogado e, novamente, ganhou o direito na Justiça de ser incluido no novo campeonato brasileiro. Com o temor de uma série de liminares de outros clubes, optou-se pela unificação das três divisões em um único torneio. A competição foi dividida em quatro módulos. Cada módulo teve um número diferente de participantes e também a sua fórmula de disputa. Apesar dos módulos serem divididos seguindo a divisão de escalão da edição anterior, eles não representavam escalões inferiores, fazendo com que no ano de 2000 não existisse a Série B e C. A reunião dos 116 clubes formou uma única divisão e apesar de os módulos não terem o mesmo peso, todos eles faziam parte da Copa João Havelange.
O módulo relativo à Séria A, chamado de Azul, possuia 25 clubes: os 20 que ficariam na primeira divisão do ano anterior, mais o Fluminense, Bahia, Juventude, América/MG e Gama, que retirou o processo na Justiça Comum e foi reintegrado pela FIFA. O módulo Amarelo, que poderia ser comparado hoje à Série B, era composto por 36 clubes: os 20 que, pelos critérios de acesso e descenso do ano anterior, deveriam disputar a Série B, menos os 5 citados acima, mais 21 clubes convidados pelo Clube dos 13, com aval da CBF.
Como vimos acima, a Copa João Havelange foi uma solução emergencial, criada pelo Clube dos Treze para salvar-se de um desastre financeiro e político, devido ao tapetão gerado pelo caso Sandro Hiroshi no ano anterior. Um torneio natimorto, que praticamente ZEROU o futebol brasileiro e suas divisões.
Em 2001, a CBF, que retomou o controle da competição, manteve na nova Série A os 25 clubes que disputaram o Módulo Azul da Copa João Havelange, convidando ainda Paraná e São Caetano (respectivamente campeão e vice do Módulo Amarelo), mais o Botafogo de Ribeirão Preto, que teoricamente deveria ter sido rebaixado em 1999.
Quando torcedores de times adversários ficam com a tal "paguem a Série B", demonstram claramente desconhecimento dos fatos que geraram a Copa João Havelange. Um imbróglio jurídico causado pelo caso Sandro Hiroshi, com o qual o Fluminense nada teve.
Fonte: Beto Meyer (torcidatricolor.com.br) / Pesquisas
*A matéria foi fruto de pesquisas do editor do portal Torcida Tricolor, Beto Meyer, e todos os créditos deverão ser creditados à ele. Poucas adições minhas estão no texto, pois as pesquisas que realizei só confirmaram os fatos já escritos. Grato.
Abs.
ST!
Rafael Barros